Sou uma cozinheira versátil
Ah, a felicidade de receber em casa um livro que queríamos muito ler. Adiar o seu começo por umas horas. Fazer video chamadas de trabalho enquanto o ficamos a namorar pelo canto do olho.
Este livro chegou cá a casa hoje e pensei que o mesmo poderia servir de desculpa para escrever sobre as minhas próprias possessed adventures com a literatura russa.
Já contei esta história algumas vezes antes, mas não no meu substack: até aos dezoito anos eu não tinha o hábito de ler. Ler era um aborrecimento que eu cumpria nas férias de verão para o tempo passar mais depressa. Se li 15 livros até essa idade foi muito: Os Filhos da Droga, O Meu Pé de Laranja Lima, O Burro em Pé, o não sei o quê de Marta, ou de Sofia, e mais nada. Na escola nunca me interessei pel’Os Maias; não me lembro sequer de alguma vez ter lido resumos de qualquer uma das obras estudadas - talvez? A Fada Ariana? As minhas interpretações nos testes de português eram, para citar uma professora que tinha na altura, ‘sui generis’. Os meus pais nunca me pressionaram para ler e eu não me lembro de alguma vez me ter sido oferecido um livro pelos anos ou no Natal. Mas, apesar disso, era relativamente boa aluna, e acho que isso se deve ao facto de ter aprendido desde nova a expressar-me bem.
Ainda hoje tenho uma obsessão com a expressão escrita (que até acho que sei de onde vem e que posso explorar num outro post). O Miguel Esteves Cardoso deu uma entrevista há muitos anos - um vídeo que volta e meia me apetece rever, e nunca me aborrece - na qual fala por alto sobre este tópico: a importância de se aprender a escrever aquilo que se quer dizer. Saber explicar por palavras, a outra pessoa, aquilo que é esperado dela. E aborda também escrita como meio para atingir diversos fins: a escrita como técnica de engate, como forma de persuadir outros a fazerem aquilo que nós queremos que eles façam, como método para se receber atenção de pessoas que, de outra forma, não reparariam em nós, entre outros.
Quando fiz 18 anos criei uma conta no twitter; essa conta - que entretanto apaguei -, por misteriosas e insondáveis coincidências permitiu-me começar a seguir uma série de pessoas que liam e que escreviam sobre os livros que liam nos respetivos blogues. Essa comunidade seduziu-me. O primeiro livro que comprei e que li, nessa altura, foi o ‘Cadernos do Subterrâneo’, do Dostoiévski, (por falar no Dostoiévski, estava tão difícil encontrar as traduções da Nina e do Filipe Guerra nas livrarias habituais que achei que a Presença tinha desistido de o editar, mas, graças a Deus, não é o caso). Eu fiquei viciada nesse livro, parecia que alguém o tinha escrito para mim; se estava mal, se estava triste, refugiava-me no livro, esquecia-me de tudo. Podia ter acontecido que não gostasse e talvez nunca mais tivesse tentado ler, mas aconteceu o oposto. Passei a olhar para a leitura como um mecanismo para lidar com uma série de chatices. E mais: percebi que ler me ajudava a pensar (e comecei a notar que, quando não estava a ler, a forma como pensava era básica e arrogante).
Não me lembro de cor da ordem que segui depois; sei que passei pelos contos e peças do Tchékhov - outra obsessão -, e pelos do Gogol (uma vez, na Fnac de Santa Catarina, pediram-me que fizesse menos barulho porque me estava a rir muito alto - estava a ler O Inspector); li as traduções portuguesas do Turgueniev; o Gorki, o Andrei Biéli (por causa do Nabokov), o Pushkin - de quem a Irina Shayk é fã 😇 - e, por fim, o meu escritor preferido de sempre, de todos os tempos, o Tolstoy. Os livros que li destes autores salvaram-me das situações mais difíceis da minha vida: a morte de pessoas próximas, o fim de relacionamentos, as diferentes despedidas, as desilusões, os fracassos. Eu lembro-me de ler na casa de banho de diferentes escritórios aonde trabalhei; na rua, enquanto percorria o caminho entre a entre a paragem do autocarro e o trabalho; no tapete atrás da porta, como na música da Élis, durante aleatórios ataques de ansiedade da minha juventude; em mil e um cafés à volta do mundo, em Florença, na primeira viagem que fiz sozinha, no Jardim da Estrela, nas Virtudes, em Aghadir, San Sebastian, Nova York, Colombo, um banco de rio no Parque das Nações.
Geralmente há todo um pudor em quem lê de falar do que lê. Eu não tenho pudor nenhum, eu só quase nunca tenho o que dizer. Se alguém tem uma opinião sobre determinado livro ou autor que eu já li, gosto de meter o bedelho. Mas é só isso. Porque ler é uma espécie de necessidade para mim, eu não me importo com mais nada em redor da leitura; não tiro notas ou apontamentos, não faço sublinhados; não sei os livros que li de cor, esqueço-me das personagens e das histórias, não decoro passagens; fica em mim aquilo que tiver de ficar (às vezes as coisas mais estranhas, como a constipação com que o Napoleão acordou no dia da batalha de Borodinó). Às vezes estou a ler coisas que não percebo, fico assim durante páginas e páginas - quantas vezes! -; não me importa, tenho um talento para persistir. Porque a necessidade em si - pensar - fica satisfeita.
Tenho soninho.
Bibimbap (serve 2 pessoas)
Ingredientes
1 pimento vermelho
Cogumelos shitake (eu não tinha e por isso usei marron)
Um molho de espinafres
1 curgete
400g de bifes de perú cortados em tirinhas (pode ser usada qualquer tipo de carne - até carne picada)
1 cenoura
2 ovos
2/3 de chávena de arroz carolino
3 colheres de sopa de Gochujang (há à venda em qualquer mercado asiático/ oriental)
1 colher de sopa de molho de soja
1 colher de chá de sementes de sésamo
Passo a passo
Cozinhar o arroz: eu adiciono o arroz ao dobro da água fervida, na qual dissolvo uma colher de chá de manteiga e uma pitada de sal. O arroz serve de base ao bibimbap;
Cortar a cenoura, a curgete, o pimento vermelho e os cogumelos em tiras muito finas;
Num fio de azeite, refogar - separadamente, para que os sabores fiquem conservados - as tiras de pimento vermelho, a curgete, os cogumelos e a cenoura. Importante: refogar em lume brando e não deixar o legume perder a cor viva (se o legume se estiver a desfazer o bibimbap fica mau);
Grelhar os bifes de perú - ou outra proteína escolhida - e cortar a carne em tiras finas;
Por fim, refogar as folhas de espinafre e estrelar um ovo (de novo, passagens leves pelo lume);
Para o molho: misturar o gochujang com o molho de soja e as sementes de sésamo;
Dispor como se vê na imagem, com o ovo a ocupar o centro. Verter o molho e misturar tudo sem medo. O molho tem bastante sal, pelo que não vale a pena temperar os restantes ingredientes.
Até à próxima 👋