Ultimamente a minha vida resume-se a trabalhar. Trabalho desde o minuto em que acordo até ao minuto em que me deito, com pequenos intervalos pelo meio em que cozinho, dou jantar à bebé, brinco um pouco com ela, vou a voar ao supermercado,.. E o mais estranho é que, não andando por aí a vibrar de felicidade, também não ando mal. Trabalhar é um vicio. Pelo menos posso estar agradecida pela responsabilidade que me é confiada, pela sorte de trabalhar com pessoas inteligentes, e pelos desafios em si, que são coisas que me interessam e com as quais tenho aprendido muito. Se ser apenas uma boa profissional fosse suficiente para mim, o que tenho hoje era o pináculo da satisfação. Sobre, afinal, aquilo que é suficiente para mim, ainda estou a tentar perceber.
Mudámo-nos para Lisboa há uns meses; estamos mesmo no centro, mesmo no meio do burburinho. Às vezes, durante o crepúsculo, saio para ir comprar alguma coisa à mercearia do bairro e, no caminho de volta para casa, ouço os barulhos da cidade: os sapatos a calcorrear as ruas, os carros a apitar nas longas filas atrás dos semáforos, pais e filhos, grupos de estudantes que me fazem sentir velha e sábia, velha e ultrapassada; mais buzinas lá ao fundo; e todos estes sons se misturam entre si dando-me a sensação de estar viva e, sobretudo, a usufruir dessa condição no sitio certo. Em um ano e meio na Parede terei sentido muitas coisas, mas viva não foi exatamente uma delas, e no sitio certo muito menos.
Depois há a bebé. Oh meu Deus! Será que ainda lhe posso chamar bebé? 14 meses. Tornei-me na pessoa que se refere ao tempo de vida dos filhos em meses- agora percebo, é que uma criança de um ano e outra de um ano e três meses são diferentes; é possível que uma fale e outra não; as comparações andam de mão dada com a maternidade. Faz-se o que se pode para não ferir as susceptibilidades de nenhuma mamã. Tudo, rigorosamente tudo o que faço é por ela. É por ela, pergunto-me? Ou para fugir de alguma coisa? Acho que é por ela. É por ela? Tento pensar no que gostaria de ter recebido; tudo vai e vem, mas o tempo de qualidade que passamos juntas fica- sei-o porque tenho a cabeça cheia de recordações queridas do último ano. As duas sozinhas em casa, os três acordados nas madrugadas, passeios no carrinho ao nascer-do-sol, o primeiro riso que ela dobrou.
Não leio nada há pelo menos um mês. Li bem no verão; li alguns livros seguidos e, como sempre acontece quando o faço, senti-me bem e com as ideias no lugar. Depois comecei a ler uma tradução fraca do Vargas Llosa e às vezes só precisamos de um pequeno gatilho para encontrar justificação que apague a nossa irresponsabilidade. Certo Sábado pensei: não fazer nada também é uma arte. Conveniente, mas entretanto passaram quatro ou cinco sábados. Lembrar-me-ei do que fiz na maior parte deles? Não. Mas lembro-me bem da tarde de Agosto em que li, de uma assentada, o Canção Doce. O que há a fazer? Nada. Aceitar e esperar que amanhã seja um bocado melhor.
Isto costumava ser um espaço de receitas- tem alguma graça que eu, atualmente, cozinhe muito mais do que na altura em que criei este blogue e, indo mais longe, bastante melhor também. Quando me sento a ver televisão é o 24Kitchen- vou ser clichê: cozinhar é um refúgio. E não clichê: cozinhar é fixe. Há prazeres que só descobrimos com a idade. E, sobretudo agora, encontro-me numa fase da minha vida culinária em que retiro especial satisfação de abrir o frigorifico e desenrascar o que quer que seja sem precisar de cumprir a tarefa de aviar uma lista de ingredientes específica do supermercado. Estás em baixo, solitário? Já experimentaste fazer uma receita de pesto para a massa do jantar? Ou um simples refogado? Pode ser a única coisa de que precisas.
Voltarei com o meu arroz de frango. Tenho ouvido isto.